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Foto do escritorTati Regis

A Noite Devorou o Mundo: uma alegoria sobre solidão, sanidade e sobrevivência

Quero começar fazendo uma confissão: eu me orgulhava em dizer que odiava filmes de zumbi. A rejeição a esses desajeitados monstros do cinema vinha do meu equivocado entendimento de que mortos-vivos serviam apenas para comer tripas, carnes e cérebros humanos, até eu perceber em vários filmes os subtextos e camadas com críticas relevantes sobre nossos medos e anseios contemporâneos, seja em questões raciais, ambientais, consumismo ou solidão, entre outras coisas.


Zumbis: O Livro dos Mortos de Jamie Russel, afirma serem essas as criaturas mais marginalizadas do cinema e mesmo assim, ainda conseguem sobreviver se reinventando desde os anos 1930 como o Zumbi Branco (1932), A Morta Viva (1943), Vampiros de Almas (1956) e etc., até chegar em 1968 com A Noite dos Mortos-Vivos de George Romero e reconfigurar o zumbi para o que conhecemos hoje.



No filme francês de 2018 A Noite Devorou o Mundo (The Night Eats the World ou La Nuit a Dévoré le Monde), um homem acorda numa manhã e encontra uma Paris invadida por zumbis. O mote, aparentemente simples, revela uma história inesquecível por se focar mais na jornada do protagonista do que nas criaturas. Eu já o achava um ótimo filme e nesta revisão, A Noite… ganhou contornos que o torna muito próximo do que muitos estão vivendo há quase dois anos por causa da pandemia e confinamento.


Na história baseada no romance homônimo de Pit Agarman, dirigida por Dominique Rocher e escrita por Jérémie Guez, Guillaume Lemans e Rocher, seguimos Sam (Danielsen Lie), um músico introvertido e antissocial que vai ao apartamento de Fanny (Sigrid Bouaziz), sua ex-namorada, buscar uma caixa com fitas cassetes que lhe pertence, mas uma festa está acontecendo e a garota não lhe dá muita atenção. Após alguma insistência, ela diz a Sam onde as fitas estão. Indo para lá, ele esbarra num homem, fere o próprio nariz e então entra no escritório, tranca a porta, tenta consertar o estrago na cara, adormece e acorda pela manhã com o apartamento banhado em sangue e as ruas tomadas por zumbis.


A partir daí seguimos a adaptação de Sam a essa nova realidade, na qual ele tenta se manter vivo e são. Se reconhecer no personagem é assustador e impressionante porque até os pesadelos dele se parecem muito com nossos medos (ou os meus, pelo menos). Quem de 2020 para cá, outubro de 2021, e tenha a mínima relação com a realidade não já teve sonhos intranquilos sem máscara na rua ou com outros temores relativos à contaminação por covid-19? Eu tive vários, todos assustadores. Sam, por exemplo, tem pesadelos com ataques de zumbis.



O ambiente hostil, a pouca comida e a solidão vão afetar-lhe a mente. É quando ele encontra Alfred (Denis Lavant), um zumbi que morava no prédio e está preso no elevador. É o momento que Sam se sente menos só e às vezes até conversa com aquele que só está interessado em saciar sua fome de carne. Há um diálogo marcante e muito, muito próximo do que vivemos: "Estar morto é o novo normal. Eu que não sou normal". Há questionamentos sobre a vida, planos e sonhos interrompidos daquelas criaturas que outrora foram pessoas.


O curioso é que o filme tinha tudo para ser enfadonho, mas a forma como ele é construído nos instiga a saber como tudo vai terminar. A história de um homem solitário tentando sobreviver a um apocalipse não é novidade e já vimos isso muitas vezes, inclusive no referenciado The Last Man on Earth (no Brasil, Mortos Que Matam) de 1964. Aqui, muito me agrada o fato de não ser nada explicado, já que o foco é Sam, sua solidão, sanidade e sobrevivência. Gosto dos zumbis não emitirem som e por isso têm a audição aguçada, sendo atraídos por barulhos, num resquício de humanidade onde o silêncio determina o sucesso da caça. E então Sam encontra uma pessoa viva, levando-o mais uma vez a repensar suas estratégias de sobrevivência e, claro, a própria vida.


 

A Noite Devorou o Mundo (2018)

La Nuit a Dévoré le Monde


Direção Dominique Rocher

Duração 1h34min

Gênero(s) Terror, Drama

Elenco Anders Danielsen Lie, Sigrid Bouaziz, Denis Lavant +


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