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Foto do escritorTati Regis

A Nuvem Rosa e os ecos do confinamento

Tudo começa com imagens de um horizonte, corta para uma moça passeando com seu cachorro na beira de um rio e apreciando a paisagem. É quando ela fixa o olhar numa delicada, bonita e tóxica nuvem rosa que se aproxima e a moça cai morta rapidamente. Corta para outra cena com Yago (Eduardo Mendonça) e Giovana (Renata de Lélis) que acabaram de se conhecer e estão num apartamento para um encontro. Eles ouvem sirenes do tipo guerra e uma voz de comando ordenando que todos os moradores se protejam dentro de lugares seguros e fechem tudo imediatamente ou então morrerão. Assim, inicia-se esse drama sci-fi apocalíptico e feminista, como disse em entrevista para a Variety a própria Iuli Gerbase, roteirista e diretora de A Nuvem Rosa.


Mesmo com aura de confinamento, o filme não é só sobre pandemia ou ameaça tóxica externa, tanto que no início aparece um aviso dizendo que ele foi escrito em 2017 e filmado em 2019, ou seja um tremendo timing premonitório cheio de coincidências. Ainda assim, fica impossível da gente não se identificar com o que vivem Yago e Giovana, principalmente na primeira meia hora. É onde se constrói dúvidas e tentam estabelecer acordos para uma recente relação que foi forçada a existir. Ela não quer ter filhos, mas Yago quer. E logo dois. A angústia da personagem e o não conformismo contrasta com o pragmatismo otimista e conformista de Yago. Ele é produtivo, faz planos e leva a sério aquilo de "olhe sempre o bom da vida". Agora mais do que nunca, sabemos como cada um prefere enfrentar um confinamento e o bacana é que a história não está preocupada em julgamentos, isso é deixado para cada um de nós que assistirá ao filme.


A nuvem tóxica não passa, os anos vão passando, a família cresce e o drama só aumenta. Aumenta também a desesperança de que aquele cenário mude. É aí que Gerbase mostra seu pouco interesse em uma explicação científica para o surgimento da nuvem. Aqui não vemos aquelas imagens de cientistas correndo contra o tempo preocupados em descobrir como surgiu ou como acabar com a catástrofe, o foco são as relações humanas, as incertezas, o desenvolvimento dessas personagens e como se comporta cada um diante de um isolamento rigoroso. Mais rigoroso até do que aquele que vivemos em 2020.



"O que se espera de uma mulher? A liberdade de Giovana se foi e o que ela queria da vida não importa mais", disse a diretora em entrevista. A insatisfação de Giovana e a vontade de se rebelar ficam cada vez mais evidentes. O filho deles, que cresceu já nessa configuração de confinamento, enfrenta de maneira mais leve e até ama a nuvem. Giovana se preocupa, já Yago acho que o filho está se virando bem. Há ainda outros personagens como o pai de Yago, um idoso que ficou trancafiado com seu cuidador. São personagens que surgem e que ajudam a trama a ganhar mais drama e peso, como a amiga Sara (Kaya Rodrigues) que está passando tudo isso só ou crianças que ficaram presas na casa do pai de uma das amiguinhas. Todos se comunicam através de vídeo chamada.


O filme flui bem em sua maioria e poderia facilmente ter uns 10 ou 15 minutos a menos, mas aí é o que eu acho e isso é o que menos importa aqui. Talvez essa passagem devagar do tempo em tela nos seja angustiante por termos vivido e passado por um isolamento mais sério a tão pouco tempo, principalmente para quem ainda persiste em levar a sério a pandemia do COVID. As cores, fotografia e trilha sonora são escolhas que tornam o filme eficiente. Os tons de rosa formam uma aura fantasiosa de conto de fadas, o que acaba contrastando com o ambiente completamente opressor.


A trilha sonora também é muito bem colocada, pois dá um certo tom de mistério e suspense nos puxando para dentro daquela redoma de horror, medo e incertezas. Iuli Gerbase é uma jovem diretora de Porto Alegre, que já realizou vários curtas e teve A Nuvem Rosa como seu primeiro longa. Foi muito bem recebido no Sundance Festival em janeiro de 2021 e agora está disponível no Telecine. Ela já prepara seu segundo longa também num drama de ficção científica e uma série de TV. Mais uma realizadora brasileira de gênero para ficarmos atentas, assim como Juliana Rojas, Gabriela Amaral Almeida e Anita Rocha da Silveira.


 

A Nuvem Rosa (2021)


Direção Iuli Gerbase

Duração 1h45min

Gênero(s) Drama, Ficção Científica

Elenco Renata de Lélis, Eduardo Mendonça, Kaya Rodrigues +


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