Um homem tão mau, tão cruel que o próprio diabo o temia. Um ferreiro [...] entrou por uma porta e saiu pela outra. Quem quiser que conte outra.
Escolher o filme da semana, confesso, foi uma tarefa bem difícil e isso se deve muito pela grande oferta de bons filmes de demônios. O tempo foi passando e como um diabinho que atenta no teu ouvido veio o sussurro: vai de Errementari, mulher. Pronto, foi só o pequeno capiroto jogar verde para eu colher maduro.
Baseado em um antigo conto de fadas europeu, essa fábula fantástica gótica de horror espanhola falada totalmente em basco, conta a história de um vilarejo que por volta da década de 1840 pós Guerra Carlista, vive um verdadeiro rebuliço com a chegada do investigador Alfredo Ortiz (Ramón Agirre). Ele quer apurar o desaparecimento de um pedaço de ouro que foi roubado durante a guerra e o principal suspeito é o ferreiro eremita Francisco Patxi (Kandido Uranga), uma figura que mora em ruínas numa floresta basca e é temido pelos moradores, pois acreditam que ele assassinou a esposa e sequestra crianças.
Patxi foi sobrevivente da guerra depois de ser capturado junto com um grupo de rebeldes, executado e salvo por um demônio após um acordo. Aqui, a investigação pouco importa, o que interessa mesmo é a relação de Patxi com o demônio Sartael (Eneko Sagardoy) e com Usue (Uma Bracaglia), uma menina órfã que carrega no rosto uma marca de queimadura e cuja mãe se enforcou quando ela era ainda bebê.
Meio anjinha, meio rebelde e meio diabinha, Usue é a criança que outras crianças da cidade usam para tirar sarro. Ela sabe se defender muito bem obrigada, mas é numa dessas brincadeiras de mau gosto que ela vai parar na esquisita morada de Patxi e acaba por descobrir o grande segredo dele. A partir daí o filme se desenvolve de uma forma muito agradável e fluida. Com uma primeira parte mais séria, focando mais nas relações humanas, criando um background dos principais personagens e permeando temas como o bem e mal, tristeza, luto e opressões do Estado ou religiosa.
Paul Urkijo Alijo dirigiu e também escreveu Errementari junto com Asier Guerricaechebarría. Em sua estreia com longa-metragem, ele pode contar na produção com nada mais nada menos que Álex de la Iglesia. O jovem diretor espanhol nascido na primeira metade da década de 80, afirma que seu longa bebe muito da fonte do que cresceu assistindo ou lendo e cita como uma das influências o filme de 1995, O Dia da Besta, talvez venha daí o tom de humor na segunda metade do filme e isso se deve muito quando Sartael passa a ser frequente na história.
Outro diretor que para mim pode ter sido bem influente na obra, é Guillermo del Toro. Errementari se desenvolve muito através da perspectiva de Usue, uma criança órfã que tem como objetivo salvar a alma da mãe ao mesmo tempo tendo que lidar com um demônio que às vezes parece ter mais empatia que os próprios humanos, assim como em O Labirinto do Fauno. A fotografia também carrega muito nos tons escuros, cinzas e vermelhos, Urkijo até diz que bebeu muito das pinturas barrocas de Caravaggio e o estilo sombrio de Goya. Ponto também para a maquiagem de Rob Bottin e os efeitos especiais de Ray Harryhausen.
O Ferreiro e o Diabo cresceu nessa revisão e acredito ser um filme que merece muito ser visto. Não é uma história genial ou original, mas é bem sincera pelos simbolismos que carrega, pela significância para o povo basco e pela estética a começar pelos créditos animados iniciais que são hipnotizantes. Também por ser uma fábula de terror honesta e divertida e nos mostrar no final, que realmente o inferno nunca dá ponto sem nó. Épico! Digno de toda a jornada de nossos protagonistas, Usue, Patxi e Sartael, que aliás, estão perfeitos em tela, e podem ser conferidos no catálogo da Netflix.
Errementari: O Ferreiro e o Diabo (2018)
Errementari
IMDb | Rotten Tomatoes | Letterboxd | Filmow
Direção Paul Urkijo
Duração 1h38min
Gênero(s) Terror, Fantasia, Drama
Elenco Kandido Uranga, Eneko Sagardoy, Uma Bracaglia +