Realmente, estamos vivendo na era dos remakes, sequências, reboots e prequelas, onde
Hollywood busca incessantemente capitalizar sobre franquias que já foram bem-sucedidas
no passado. A desconfiança do público ao anunciar o retorno de uma franquia é justificada,
já que poucos são os casos de sucesso. Recentemente, as tentativas de reviver a franquia
"O Exorcista: O Devoto" em 2023 e o reboot de "Halloween" (2018, 2021 e 2022), todos sob
a direção de David Gordon Green, não foram tão satisfatórias para o público em geral.
No entanto, quando foi anunciado um spin-off de "A Profecia", filme de 1976 dirigido por
Richard Donner, que contava a história envolvendo a igreja e uma criança maligna, fruto do
Anticristo, muitos temeram que não alcançasse o mesmo sucesso do original, obra que
permanece como uma referência incontestável, resistindo a várias revisões ao longo dos
anos e o anúncio de uma prequela foi recebido com desconfiança. A responsabilidade ficou
a cargo da estreante Arkasha Stevenson que, recebeu o projeto, aprimorou e personalizou
junto com seu parceiro de redação Tim Smith, para uma trama que lembra muitos horrores
corporais e nunsploitation setentistas, uma surpresa positiva.
Sem dúvida, o subgênero do terror religioso apresentou diversos exemplares notáveis ao
longo dos anos, desde "O Bebê de Rosemary" (1968, dirigido por Roman Polanski), O
Exorcista (1973, dirigido por William Friedkin) e "Carrie" (1976, dirigido por Brian De Palma),
para citar apenas alguns. O cristianismo e o horror, quase duas faces de uma mesma
moeda, afinal trabalham com medos, são recursos narrativos eficazes quando se trata de
explorar nossos temores mais profundos, trabalhando dualidades como o bem contra mal,
Deus contra Diabo, vida contra morte, esperança contra desespero, com o último sempre
conseguindo se destacar, afinal, terror.
"A Primeira Profecia" não apenas mergulha nesse terreno fértil, ao detalhar as
circunstâncias em torno do nascimento do anticristo, mas também traz um singular olhar
feminino para o cerne da sua trama. Isso é feito sem abrir mão das raízes diabólicas que
tornaram o filme de 1976 um clássico instantâneo.
É 1971, a Itália vivia uma onda de protestos em meio à ressaca cultural da década de 60,
Nell Tiger Free (da série Servant) é Margaret, uma jovem noviça estadunidense que
embarca em sua jornada de crescimento espiritual na Igreja Católica ao se mudar para
Roma e continuar a sua formação como freira. Acompanhando-a está o padre Lawrence
(Bill Nighy), que a conhece desde quando ela ainda era uma jovem problemática.
Na chegada ao convento, Margaret é acolhida pela irmã Silvia (Sônia Braga), que a
apresenta ao local e às suas múltiplas funções, como orfanato, centro de adoção e refúgio
para jovens grávidas. É lá que ela conhece Clarita Sciana, uma adolescente tida como má e
problemática pelas outras crianças e freiras, que passa a maior parte do tempo isolada em
um cômodo chamado de "quarto do mal", por supostas agressões e comportamentos
antissociais. Clarita expressa suas angústias por meio de desenhos obscuros e
supostamente proféticos, chamando atenção de Margaret.
Identificando-se também como uma alma problemática em busca de redenção, Margaret
estabelece rapidamente uma conexão empática com Clarita, motivando-a a investigar as
razões por trás desse tratamento diferenciado. É durante essa investigação, permeada por
eventos trágicos e graças também a intervenção do Padre Brennan (Ralph Ineson), que
Margaret descobre a verdade perturbadora sobre o nascimento do filho de Lúcifer, cuja
vinda à Terra desencadeará toda sorte de dores e misérias.
Se o filme original de Richard Donner e suas sequências são predominantemente centrados
em personagens masculinos, "A Primeira Profecia" destaca-se por dar protagonismo às
mulheres. Desde as crianças órfãs, noviças, freiras e madres superioras, o filme de Arkasha
coloca o feminino no centro da trama. Elas estão intimamente envolvidas no segredo oculto
que trará o Anticristo, apresentando uma perspectiva única sobre a salvação da Terra diante de suas próprias maldades, falta de fé, descrença em Deus e nas religiões.
O filme, sem dúvida, possui sua própria personalidade, mas não podemos ignorar os
problemas que ele apresenta. Alguns espectadores, assim como eu, podem sentir-se
incomodados com certos aspectos da trama, que para outros podem não ser tão relevantes
assim. Por exemplo, as mortes repetidas lembrando o suicídio da babá e o empalamento do
padre no primeiro filme. Esses elementos me deixaram decepcionada e imediatamente
após sair da sala de cinema, pensei “Pôxa, um filme com um toque tão pessoal precisar
copiar mortes?" No entanto, à medida que o tempo passava, minhas ideias foram se
ajustando e eu comecei a compreender que isso acaba por se tornar meros detalhes
irrelevantes diante da história que Arkasha conta.
No centro dessa exploração está Silvia, uma abadessa que oscila entre a doçura e a
firmeza. Sua complexidade é compreensível, uma vez que ela está vinculada a um plano
maior no qual nada nem ninguém pode interferir. Assim como no primeiro filme, o mal age,
eliminando aqueles que se intrometem nos desígnios do demônio. É nessa construção
inicial que o filme brilha, dispensando a necessidade de conhecimento prévio sobre o
original de 1976. No entanto, à medida que o enredo se desenrola e revelações são feitas, o
filme perde a força, culminando em um final morno e nada impactante, salvando-se apenas
pela inserção de Ave Satani, tema musical do filme de 1976, composta por Jerry Goldsmith.
Com a compreensão da importância de colocar essas mulheres no centro da narrativa,
esses incômodos, mesmo estando lá, acabam por se tornar insignificantes. A diretora
também acerta ao explorar profundamente as corrupções da igreja sem cair na armadilha
de retratá-la como uma simples vilã que precisa ser destruída por um herói.
Outro aspecto marcante de "A Primeira Profecia" é o debate promovido pela diretora sobre
o tratamento das mulheres e seus corpos, tanto pela Igreja Católica quanto pelos filmes de
terror. É revigorante observar um filme lançado em 2024 que resgata a estética e o tom das
produções dos anos 70, onde freiras e noviças são retratadas de forma autêntica, fumando
e discutindo sobre sexo, sem serem alvo de julgamentos ou sofrerem as punições muitas
vezes impostas pela sociedade.
Ao final, com a certeza de que Damian nasceu, cresceu e colocou seu plano em prática,
resta-nos imaginar e esperar pelo desenvolvimento das possíveis sequências desta
prequela. "A Primeira Profecia" está em cartaz nos cinemas desde o dia 04 de abril. Não
perca a oportunidade de testemunhar os primeiros passos da chegada do Anticristo.
THE FIRST OMEN (2024)
A Primeira Profecia
IMDb | Rotten Tomatoes | Letterboxd | Filmow
Direção Arkasha Stevenson
Duração 120 min
Gênero(s) Horror, Sobrenatural
Elenco Nell Tiger Free, Ralph Ineson, Sônia Braga, Tawfeek Barhom+