Quem conhece ao menos uma parte da história das Américas compreende que a maior parte da região senão toda era ocupada por diversas tribos de povos originários. Apesar disso, é sabido que a maioria destas tribos foram massacradas/suprimidas e retiradas de seus territórios originais, espaços sagrados para estes povos foram incorporados ao tão sonhado “progresso”.
Tal deslocamento compulsório e inconsistente com a necessidade das tribos remanescentes reverberam na atual situação a qual estes se encontram atrelados. Conhecedor de toda a história envolta a realidade dos seus, o diretor e roteirista Jeff Barnaby de origem Mik’maq foi feliz na idealização de um filme de zumbis com metáforas pertinentes a necessidade do branco em se alimentar (neste caso literalmente) de outras culturas.
A estória se passa em uma pequena reserva Mik’maq no ano de 1981, e coisas estranhas tem acontecido por lá, como por exemplo, animais mortos que tem retornado a vida porém, um pouco diferentes de quando se foram. Estes acontecimentos logo são relacionados a situações semelhantes reportadas fora da reserva sendo presenciadas e vivenciadas por Joseph (Forrest Goodluck) e Lysol (Kiowa Gordon) filhos do Chefe e xerife Traylor (Michael Greyeyes).
Logicamente descobrir que o mundo foi tomado por mortos vivos pode ser um pé no saco, mas, não para os Mik’maq e aqui está o pulo do gato de Jeff Barnaby, apesar da praga zumbi assolar todo o mundo e acometer a grande maioria das pessoas, os indígenas são imunes a ela e podem finalmente conviver em paz... só que não. O diretor identifica as diferentes vertentes existentes em um mesmo grupo, e como os traumas da não vivencia da ancestralidade como um todo e por conseguinte da ausência de percepção do restante da sociedade para consigo como cidadão influencia na sua construção enquanto sujeito histórico vivente.
De certa forma, o apocalipse zumbi permite com que os indígenas retomem as rédeas não só da própria comunidade mas de todo o espaço que outrora lhes foi arrancado. E é a partir daí que surge uma bela discussão sobre até onde a condescendência com os brancos e/ou colonizadores deve se estender. Sabendo que estes são imunes, a escolha por deixar com que os brancos ocupem este espaço coloca toda a comunidade em perigo, uma vez que, se um dos residentes caucasianos estiver contaminado apesar de os indígenas não se transformarem propriamente em zumbis, estes serão sumariamente devorados e toda a comunidade poderá se extinguir.
Essa escolha do roteiro acerca do colonialismo, onde os colonizadores almejam se alimentar dos conquistados de forma literal, afim de exterminar por completo esta cultura é muitíssimo interessante e com toda certeza só poderia partir de alguém que vivencia situações de exclusão e marginalização social. Em relação ao desenvolvimento da estória é coesa com alguns momentos de descompasso quando o drama é mais pontual, contudo, quando o sangue chega é pra valer, com certeza vai agradar aqueles que curtem a exposição de tripas e afins. Vale a pena assistir não somente pela premissa mais do que interessante, mas também pela forma como diretor e roteirista se propõe a discutir os males do colonialismo e sua herança maldita que continua a suprimir e influenciar negativamente nos rumos que a sociedade destinou a estes povos.
Blood Quantum (2019)
IMDb | Rotten Tomatoes | Letterboxd | Filmow
Direção Jeff Barnaby
Duração 1h38min
Gênero(s) Terror, Drama
Elenco Michael Greyeyes, Elle-Máijá Tailfeathers, Forrest Goodluck, Kiowa Gordon, Stonehorse Lone Goeman +
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