A garota acabara de perder a mãe. A contragosto, vai morar junto do pai, da madrasta e de sua meia irmã pequena, numa casa enorme, num idílio. Contudo, quanto mais tempo permanece ali, mais as coisas vão se tornando insuportáveis para ela. Algo ou alguém parece espreitar os seus passos, aguardando por um deslize. Situação essa invisível ao núcleo familiar da garota, sempre a pondo no local de jovem-depressiva-louca-delirante-rebelde-com-a-vida—afinal, quem não ficaria ao perder a pessoa que mais ama na vida?
A cidade tenta encaixá-la num padrão de vida anestésico, subserviente, asséptico. Seguindo a uma lógica fascista. Olha, queremos que você faça parte do nosso grupo, para isso terá de seguir algumas regras, viu? Não as quer seguir? Então, vamos eliminá-la! Dizem os cordiais cidadãos, com os seus sorrisos e olhares lobotomizados, donos de casas perfeitas como as de uma Barbie nazista, localizadas em ruas limpas, sinuosas feito um labirinto: parecem te levar em direção a segurança, porém te levam a outra, para uma armadilha. Abarcando a tudo, está uma floresta, a natureza, decidindo quem entra, quem sai. Isso colabora para a sua fuga desse lugar sufocante. Até tenta fazê-lo, no entanto, algo a impede, quer que ela fique e morra.
Ajudando a transformar esse pesadelo em realidade, está Simon Waskow, que sonoriza a violência constante na vida de Gretchen. Violinos e outros instrumentos de corda são usados numa espécie de agonia gutural; os gêneros musicais como jazz, rock e a música eletrônica são distorcidos, fundidos, muitas vezes, num só, de modo a criar uma paisagem convulsiva, conflitante—acompanhando o embate entre a moça, seus sentimentos e o ambiente ameaçador circundante.
Bem como nos filmes: Psicose de Alfred Hitchcock, Profundo Rosso de Dario Argento, o filme de Tilman é inspirado pelo pintor da solidão, Edward Hopper. Hopper se utilizava de cenários ermos para evidenciar os momentos, quais ouso chamar de epifania melancólica: quando, de repente, nos damos conta, temos ciência da nossa finitude nesse mundo e da nossa incapacidade de evitá-la. Tilman Singer, usa os cenários espaçosos e maiores do que a protagonista para destacar, além do seu luto corrente, a sensação de estar sozinho e a sua inadequação ao meio, cujo visa expulsá-la.
Como final girl, Hunter Schafer é perfeita. Uma combatente incansável, consciente de como é ser um corpo estranho, numa zona ameaçadora, cujo qual pretende eliminá-la a qualquer custo. O papel soa quase como uma metáfora para a vida da própria atriz, uma mulher trans, ou seja, um corpo dissidente, marginalizado de todas as formas possíveis pela sociedade. Com a sua personagem não é diferente. Se sente inapropriada tanto no próprio seio familiar qual parece ignorar os seus sentimentos, desejos e presença, quanto por aquela cidade hostil.
O Cuco é um dos animais mais estranhos e inteligentes da natureza: bota o próprio ovo no ninho de outro pássaro, qual é chocado sem que se deem conta dele. E, ao nascer, esse estranho imperceptível, empurra os demais ovos ainda não chocados, ou até mesmo os irmãos recém-nascidos, para fora do ninho, eliminando a concorrência. Fazendo os pais adotivos voltarem todos os cuidados e distribuição de alimento a ele. A partir desse fato, Singer, constrói uma fábula estranhamente acessível (o seu trabalho mais acessível até a data), mas sem perder o viés político.
CUCKOO: O MEDO CHAMA (2025)
Cuckoo
IMDb | Rotten Tomatoes | Letterboxd | Filmow
Direção Tilman Singer
Duração 102 min
Gênero(s) Terror, Fantasia
Elenco Hunter Schafer, Jan Bluthardt, Marton Csokas, Jessica Henwick, Dan Stevens, Mila Lieu, Greta Fernández, Proschat Madani +
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