Escrevo essa resenha em êxtase e penso que não poderia ser diferente. Como mulher, negra e fã do gênero horror, crescer vendo tais filmes e saber que um dos seus será o primeiro a morrer ou usado de diversas formas estereotipadas e ridículas, não foi nada bom. Principalmente quando você adquire consciência de si, de raça, de ser humano e percebe que muitos dos estereótipos retratados nos filmes moldam sim o comportamento sociocultural. O meu entusiasmo tem um motivo e ele se chama mudança.
Horror Noire é um documentário dirigido por Xavier Burgin e baseado no livro homônimo da Dra. Robin R. Means Coleman, que foi lançado originalmente nos EUA em 2011 e em 2019 no Brasil pela editora DarkSide Books. O livro faz um panorama sobre a representação do negro no cinema de horror desde 1890 até o presente. Não muito diferente, o documentário que chamarei aqui de necessário, começa falando de O Nascimento de uma Nação (1915), filme que é considerado pelos negros como o primeiro filme de terror.
Com presenças da própria Coleman e diversos ícones de representatividade negra sejam estudiosos, pesquisadores, cineastas e atores, o documentário traz entrevistas aprofundadas com aspectos socioculturais e políticos de várias épocas. Além de analisar diversos filmes, o documentário faz também uma profunda jornada pela história negra nos EUA se confundido até com o terror negro, como coloca muito bem a pesquisadora Tananarive Due. Seja como ameaça a sociedade ou à mulher branca; seja retratado como monstros, escravos, selvagens ou tendo sua religiosidade demonizada diversas vezes; ou até praticamente sumindo das produções até voltar no final da década de 60 com o icônico e importantíssimo A Noite dos Mortos Vivos (1968, George Romero) com o protagonismo do ator Duane Jones.
Horror Noire também faz um breve panorama do que foi o movimento blaxploitation na década de 70 e é inevitável pensar de como o racismo nos EUA está inteiramente ligado a essas produções. A possibilidade de trazer o protagonismo negro para diferentes papéis e até se apropriando de grandes clássicos do terror como Blacula. Presenças marcantes e nostálgicas de depoimentos de Richard Lawson e William Craine.
Pensar essas coisas até aqui e às vezes até discutindo junto com o "elenco" no documentário, é bem doloroso ao mesmo tempo que é poderoso por dividir as mesmas angústias, medos, anseios e esperanças de uma nova perspectiva e um novo olhar a partir de filmes da década de 1990 como Tales From The Hood, Eve's Bayou e até de certa forma o Candyman. Foram filmes que trouxeram uma certa luz para a reflexão sobre problemáticas no gênero e do povo afro-americano culminando nos anos 2000 com algumas produções que já refletiam essa mudança de olhar. E quando falam em Corra! (2017) e todo o impacto que o filme traz, é bonito de ver a esperança no olhar. Ouvir Jordan Peele falar que agora as histórias são sobre nós e para nós, dá uma aquecida no coração.
O bacana é que mesmo abordando um tema tão pesado, o documentário consegue ser leve com senso de humor. Tanto o livro quanto o filme são extremamente necessários não só para o fã negro do cinema de terror americano, mas também para qualquer um que se interesse por contexto histórico e cultural.
O filme foi assistido na abertura do Cinefantasy 11 através da plataforma de streaming Bela Artes À La Carte, que acontece entre os dias 16 a 29 de Abril.
Horror Noire: Uma História do Horror Negro (2019)
Horror Noire: A History of Black Horror
IMDb | Rotten Tomatoes | Letterboxd | Filmow
Direção Xavier Burgin
Duração 1h23min
Gênero(s) Documentário
Elenco Robin R. Means Coleman, Richard Lawson, William Craine +
Excelente texto sobre o livro e o tema. Obrigada Tati pelo conteúdo, sempre aprendo mais com você.