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Foto do escritorThaís Vieira

La Llorona: quando quem causa o terror são os vivos

Mais uma vez Jayro Bustamante (Ixcanul, Tremores) flerta com os horrores humanos e suas consequências quando os confrontamos. Em sua mais recente produção La Llorona ele nos leva a reviver o trauma de outros, mais precisamente da população maia Ixil que quase se viu massacrada por completo durante a Guerra Civil ocorrida entre os anos de 1960 até meados da década de 1990 na Guatemala.


A demora por uma resposta para os traumas vividos e deixados por tamanha violência, onde o silencio se perpetrou por um longo tempo, visando o esquecimento das bases racistas e gananciosas que levaram a morte mais de 200 mil pessoas e milhares de desaparecidos. Para jogar luz sobre o grotesco episódio guatemalteco e suas vítimas, o diretor utiliza de uma lenda que apesar das singularidades de cada região onde é contada gira em torno de uma mãe que por ter afogado seus próprios filhos vaga sem rumo chorando e lamentando suas mortes.


Qualquer semelhança com o julgamento do general Efraín Ríos Montt condenado em 2013 por crimes contra a humanidade (não) é mera coincidência... Com uma fotografia que prioriza as sombras e a opacidade, acompanhamos a estória da família Monteverde que tem sua paz ameaçada quando o patriarca Enrique Monteverde (Julio Diaz) é formalmente acusado pelo envolvimento no genocídio da população indígena Ixil, e mais, de saber que estes vinham sendo assassinados devido suas origens étnicas.



A possibilidade de prisão do patriarca afeta esposa (Margarita Kénefic) e filha (Sabrina De La Hoz) que apesar de ansiar pela liberdade reconhecem nele a dureza do militarismo e a certeza de que barbaridades foram cometidas. Enrique ouve choros constantes na casa, e seu comportamento dissonante com a postura anteriormente rígida acaba por colocar os funcionários (coincidentemente de origem rural como os indígenas mortos) em alerta, já que, estes sabem que a entidade llorona se aproxima em busca de uma vítima.


Após o depoimento visceral de uma das vítimas que nos dá certa proporcionalidade da monstruosidade cometida pelas forças do exército Guatemalteco contra a população maia, a sentença é convertida em prisão domiciliar devido a fragilidade do acusado. Contudo, a permanência na casa só aumenta a tensão. Todos passam a ser hostilizados por manifestantes inconformados com a sentença. Essa inquietude gerada pela população se relaciona a chegada de Alma (María Mercedes Coroy).


Sua aparência enigmática mas ao mesmo tempo semelhante as mulheres as quais este infringiu dores físicas, mentais e porque não espirituais, mexe não somente com ele, mas com a esposa que associa a imagem da garota as “escapadas” do marido (se é que dá para chamar estupro de qualquer outra coisa que não seja estupro), suscita o questionamento da filha sobre o desaparecimento de seu marido, enfim, despertando sentimentos dispares. A partir daí o suspense se instaura, gerando crescente desconfiança acerca da lucidez de Enrique, do comportamento de Alma, da adoração da neta de Enrique por Alma e da ligação desta com a água.



O ambiente agora ocupado pelo espírito passa a exercer pesada função sobre seus personagens: o cansaço, a saúde e a própria casa passam a se deteriorar e demonstram a fraqueza de uma elite deteriorada pelos próprios preconceitos, corrupções, perversidade, a estrutura familiar passa a ser corroída de fora para dentro. Determinadas pessoas passam a observar atentamente os ocupantes da casa, com um olhar frio que somente os mortos poderiam exibir.


O diretor cria inúmeras oportunidades de o espirito se manifestar de forma a criar jumpscares, porém, ele procura não gerar sustos fáceis e o filme se sustenta praticamente com a atmosfera subjetiva da espreita do mal: físico na figura do protagonista e o sobrenatural na figura do fantasma em busca de vingança por um mal antigo porém não adormecido. Uma ferida aberta que ainda pulsa apesar das soluções encontradas no plano material no qual se coexiste algozes e padecentes.


Talvez o único erro do premiado filme, seja ter criado uma plausível sensação de enfrentamento entre os dois opostos, e quando este acontece após relativa espera, o general Enrique Monteverde não recebe em troca nenhum terço da dor que causou. Ainda que produza uma espécie de redenção de uma das personagens femininas colocando está em situação similarmente dolorosa fica a sensação de que o personagem principal teve um destino condescendente e de certa forma condizente com a sentença lhe dada em vida.


 

La Llorona (2019)


Direção Jayro Bustamante

Duração 1h37min

Gênero(s) Terror, Drama

Elenco María Mercedes Coroy, Sabrina De La Hoz, Julio Diaz +


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