Até onde o entretenimento e a busca por audiência podem chegar é um assunto que vêm sendo falado e problematizado já há algum tempo. Programas de notícias que deturpam ou mostram situações, que além de poder manipular o telespectador, podem causar reações negativas dependendo do seu conteúdo. Discussões acerca disso com o passar dos anos fizeram muitas coisas mudarem, mas ainda existem meios de trazer o sensacionalismo para a televisão. Com a internet e a chegada dos streamings, existe uma percepção equivocada de que hoje em dia quase ninguém mais vê TV aberta. Em um recente estudo, 62% da população do Brasil ainda consome esse tipo de entretenimento. Já nos EUA esse número é menor e desde 2022, o serviço de streamings é maior que a TV aberta.
Em Late Night with the Devil temos esse contexto logo no início, mostrando os anos 70 e os escândalos na televisão, recortes da sociedade e política. O apresentador Jack Delroy (David Dastmalchian), retorna com seu programa Night Owls, um talk show muito popular, que teve uma grande queda de audiência após eventos na carreira de Jack e na sua vida pessoal, com a morte de sua esposa. No especial de Halloween de seu programa, ele resolve fazer de tudo para subir a audiência e então convida um cético hipnotizador, um médium possivelmente charlatão e uma parapsicóloga junto com uma garota que pode ou não estar possuída pelo demônio.
Por conta do figurino e design de produção, parece realmente que estamos assistindo um talk show dos anos 70, muito semelhante ao de Johnny Carson por exemplo. O formato da câmera muda conforme o filme quer mostrar cenas ao vivo e as cenas em off, quando estão no intervalo do programa. A sensação é de estarmos vendo um documentário porque mesmo fora do programa e com outra câmera, os personagens parecem sempre estar sendo filmados.
Para um longa de 90 minutos, a parte da contextualização e construção dos personagens toma conta do filme, deixando muita coisa para acontecer no final e aquela sensação de querer ver mais. Na revisão, essa sensação mudou e como um todo, ele é um ótimo terror que explora não só o entretenimento sensacionalista em um período em que as pessoas usavam a tv como escape, mas também seitas e serial killers da época.
As cenas de possessão são poucas comparadas com tudo que acontece, então embora pareça que o filme se vendeu com base em mostrar um talk show com o diabo, ele vai mais a fundo. Por mais que possessão seja algo batido dentro do cinema nos dias de hoje, é bem interessante ver como isso foi explorado, porém essa não é a parte mais legal (não darei spoilers).
Imagem gerada por IA usada no filme.
Além da história do filme ter como base a polêmica do sensacionalismo, na vida real Late Night with the Devil tem sido boicotado por conta de outra polêmica. O uso da Inteligência Artificial para criar 3 imagens gerou mais um debate sobre até que ponto esse boicote vai ser útil. Em 2023 a Marvel fez uso dessa tecnologia também e não existe um possível cancelamento sendo debatido com tanta força. Para o cineasta Justin LaLiberty, boicotar um filme independente por esse motivo pode prejudicar ainda mais a exibição de filmes indie nos cinemas, especialmente os de gênero. O problema é que esse provavelmente não será um caso isolado dentro do cinema independente e nem no cinema como um todo.
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Depois de assistir, fiquei pensando em como essa história poderia se passar na TV brasileira dos anos 1990, também - que, sem pesquisar, imagino ter influência do que vinha acontecendo mundo afora nas décadas anteriores - com exposição dos casos mais caricatos e lamentáveis possíveis, do Fantástico ao Programa do Ratinho... Digo, quantas entrevistas foram feitas com gente que "confrontou" o ET de Varginha e tal, né? Fora isso, por mais de um momento, lembrei daquele famigerado quadro de Hermes & Renato e de The Eric Andre Show. 😅