Olá, eu sou Tati Regis e essa é minha estreia aqui como colaboradora no Horrorizadas (obrigada, Monique e Isabela pelo convite). Não sou escritora e muito menos crítica, apenas uma entusiasta e curiosa que vive a comentar sobre as coisas que assiste e lê (risos).
O ano de 2020, por conta dos vários festivais e mostras online de cinema de gênero, me proporcionou novos conhecimentos e um deles foi sobre o cinema de horror Blaxploitation.
Mas, que danado é Blaxploitation? Sem muito me alongar, basicamente é: “negro” (black) e “exploração” (exploitation). Seria quase o mesmo de um cinema de horror negro, pois além de se alinhar com as demandas mercadológicas e sociais da década de 1970, era em sua maioria protagonizado e dedicado ao público afro-americano, já que rolava todo um diálogo com a cultura deles e apropriação dos mesmos para com obras consagradas "brancas", embora muitas vezes fossem vistos como caricatos e estereotipados. Outra característica marcante eram as trilhas sonoras, onde se faziam presentes músicos e artistas conhecidos da cena musical negra norte americana.
Um dos filmes que conheci e muito me impressionou desse movimento foi A Vingança dos Mortos (Sugar Hill, 1974) dirigido por Paul Maslansky e com roteiro de Tim Kelly. Uma história de vingança que já na sequência de abertura dá o tom da trama quando mostra uma cerimônia Voodoo. Diana Hill (Marki Bey) conhecida como Sugar, uma mulher negra, vê seu namorado Langston (Larry D. Johnson), um homem também negro, ser brutalmente assassinado pelos capangas do gângster branco Morgan (Robert Quarry) por não querer vender seu bar. Inconformada, ela vai à procura da sacerdotisa Voodoo Mama Maitresse (Zara Cully).
Por mais forte que fosse meu amor, meu ódio é ainda mais forte
As duas seguem por uma floresta na beira do pântano onde o senhor dos mortos, o Barão Samedi (Don Pedro Colley) é invocado. Ele aceita o chamado e em seguida acorda seu exército de mortos-vivos para servir única e exclusivamente à Sugar e seus motivos. Vale salientar que para a associação dar certo com o Barão, Diana oferece em troca sua alma. Samedi é um mulherengo insaciável, vive cercado de suas noivas, como bem salienta Mama Maitresse, e não está bem interessado em almas, mas topa mesmo assim o trabalho sabendo que no final terá sua recompensa.
O Barão é sagaz e rapidamente percebe com quem tem que lidar. Homens brancos racistas, assassinos, corruptos, estelionatários e, no meio disso tudo, um homem negro: Fabulous (Charles Robinson), um vira casaca puxa saco de branco que vive a engraxar os sapatos do patrão ao mesmo tempo em que é chamado de "crioulo" por ele, chegando ao ponto de soltar a frase: "Eu ainda vou fazer de você um crioulo honesto". Esse é o nível. A vingança dos zumbis para esse personagem é bruta e cruel.
Importante dizer ainda sobre a origem dos zumbis de Samedi. São corpos preservados de negros escravizados da Guiné que foram levados para os EUA. Já rola toda uma significação nessa vingança.
É intrigante perceber que no meio de tanto ódio, mortes, vinganças, deboches e disputa de poder, Morgan e Diana desenvolvem uma espécie de relação que desperta a ira de Celeste (Betty Ann Rees), esposa branca do gângster. Ele desdenha e a humilha. Cheia de inveja e ciúmes, ela passa a perseguir Sugar até culminar numa briga entre as duas.
Essa é basicamente a trama do filme que foge do padrão habitual da época, no qual se via muita pancadaria, tiros, porradas e homens negros sendo protagonistas enfrentando o sistema racista branco. Em Sugar Hill, temos uma mulher sendo a badass da história, e talvez por isso seja considerado um dos mais importantes do terror blaxploitation, que já tinha produzido filmes como o emblemático Blacula (1972) e sua sequência Scream Blacula Scream (1973).
Além disso, A Vingança dos Mortos dialoga diretamente com as produções de zumbi da Era Val Lewton, bem antes das criaturas de Romero e não apenas por serem agentes invocados através de cerimônias Voodoos, mas também pela aparência física remeter ao lendário Carrefour do clássico A Morta-Viva de 1943. Aqui, eles auxiliam Sugar, uma mulher de personalidade forte, a caçar aqueles que fizeram mal a seu namorado. Ela usa um figurino impecável e sempre que aparece numa cena de vingança, sua roupa muda pra um macacão branco decotado com detalhes vermelhos e acompanhada de um imponente penteado black power. Essa é a Sugar Hill, que além de toda essa trama cabulosa, ainda tem que lidar com o tenente Valentine (Richard Lawson), seu ex namorado e responsável pela investigação das mortes.
No entanto, nem tudo são flores em A Vingança dos Mortos e, ao olhar com os olhos de hoje pra um filme que tem 47 anos, claro que encontraremos diversos motivos para problematizar a obra. A doutora Robin Coleman em seu livro Horror Noire, faz uma análise social e bem minuciosa enumerando diversos fatores e posturas dos personagens que tornam o filme problemático, como por exemplo o fato dos zumbis serem os heróis da história e não a protagonista Diana Hill. É só uma das questões levantadas pela pesquisadora. Fica aí como indicação de leitura pra quem se interessar.
A Vingança dos Mortos foi lançado nos EUA pela produtora AIP (American International Pictures) com um orçamento baixíssimo de 350 mil dólares. O filme se encontra disponível pela plataforma Darkflix. Vale muito a pena!
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